Adeus ano velho, São Paulo – Por Alexandre Padilha
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Indicadores da saúde, educação e economia mostram que 2014 foi um ano perdido para o estado de SP. É urgente que a sociedade debata estas questões
O 2014 foi um ano ruim para o estado de São Paulo. Não falo do fato de Corinthians, São Paulo, Santos e Palmeiras não terem ganho nenhum título nacional ou continental. Falo do estado mais rico do pais, da “locomotiva”, do pólo dinâmico da economia e pensamento do país. Indicadores sócio-econômicos mostram que 2014 foi um daqueles anos perdidos para SP. O debate sobre o futuro do estado e do seu povo será fundamental para que as mesmas escolhas de 2014 não se perpetuem. Não é possível que se opte, eternamente, por um caminho que retira do estado e dos seus atores econômicos, políticos e sociais o protagonismo na retomada de um pólo econômico mais dinâmico e na consolidação do desenvolvimento inclusivo e sustentável para o país.
Vejamos alguns indicadores que mostram o que foi o “Aqui é São Paulo” em 2014.
No ano que já passou, SP teve nota vermelha no boletim da educação: caiu mais 3 posições no Brasil na Prova Brasil. Pela primeira vez, o estado sequer atingiu sua própria meta para o IDEB no ensino médio. O indicador, do governo federal, estabelece uma média entre fluxo (progressão do aluno ao longo das séries) e conhecimento (resultado da avaliação português e matemática). A política de aprovação automática na rede pública estadual garantia, até 2014, que se atingisse a meta por conta do fluxo (não reprovação), não pela qualidade. A meta do IDEB atingida era alardeada pelo governo tucano para se contrapor a outros indicadores que já revelavam o fracasso na política educacional de 20 anos do PSDB: taxa crescente de evasão escolar no ensino médio, resultado no exame internacional de matemática e português (PISA) abaixo da média nacional e apenas 1,1% das escolas da rede estadual com índice de estrutura física adequada, segundo INEP. O IDEB do ensino médio em 2014 sacramentou o fracasso e deu alerta definitivo ao futuro. O mesmo em relação à crise nas universidades públicas paulistas, que colocaram em cheque a prioridade dos tucanos a instituições para desenvolvimento do estado. Uma terra que deseja estar no pólo inovador da economia, da cultura e da inovação tecnológica, que se vangloria de valorizar a meritocracia e o conhecimento, não se sustentará no século 21 relegando 5 milhões de crianças e adolescentes a uma educação básica muito abaixo de outras regiões do mundo, com renda per capta média similar.
No ano que já passou, SP teve mais jovens negros assassinados. Teve recorde sucessivo de aumento de roubos dos últimos 19 anos e retomada no crescimento de homicídios em várias regiões. A violência policial persistiu, atingindo prioritariamente os jovens negros da periferia e, no final do ano, voltamos a conviver com os chamados “toques de recolher”, comandados pelo crime organizado, em regiões inteiras da capital e do interior. O discurso de uma polícia forte também não está acompanhado de eficiência: menos de 5% dos crimes foram apurados em 2014. A segurança pública é o setor onde o papel do governo do estado está mais claro para o conjunto dos cidadãos, inclusive para aquele segmento que considera que sua vida acontece independente de políticas públicas. É na segurança pública que fica ainda mais explícita a opção tucana de abdicar do papel de um governo do estado em garantir o Estado Democrático de Direito. A política de segurança pública do PSDB aposta no sucateamento dos instrumentos públicos de polícia, campo aberto para as soluções privadas de segurança; na prioridade de investimentos onde vivem as elites econômicas e na exclusão das camadas populares: pela ausência, pelo medo, pelo preconceito, pela reclusão ao sistema penitenciário, pelo abuso do aparato militar ou pela violência, sobretudo aos jovens negros.
No ano que já passou, pela primeira vez, nasceram mais crianças em hospitais municipais do que hospitais estaduais na cidade de São Paulo. Isto é resultado de uma política sistemática de fechamento de maternidades e outros serviços no SUS estadual. O estado joga nos ombros das redes municipais de saúde a responsabilidade exclusiva de garantir o atendimento universal. Quem percorre a periferia da Capital sabe dizer o que aconteceu nos hospitais estaduais durante este ano: desativação de serviços. Na região metropolitana idem. Exemplos: redução de cerca de 30% de cirurgias na rede estadual do ABC e fechamento de serviços em Hospital de Franco da Rocha e Osasco, em nome de uma reforma física que se arrasta por anos. No interior, nenhum dos hospitais regionais estaduais operaram com 100% da sua capacidade instalada, sobrecarregando as redes municipais. A vida pode ser muito melhor se tivermos uma política permanente, cooperada entre estado e municípios para melhoria dos serviços públicos. Mas a opção do governo tucano foi adotar o enfrentamento e desprezo ao esforço dos municípios e das políticas nacionais ou entregar a gestão para terceiros, que estão motivados pela lógica de gerenciamento de custos e não da garantia da qualidade e do direito ao cidadão.
Em 2014, o ano que já passou, SP ficou mais lento, mais seco, menos industrializado. Dez anos de seca de obras agravou um ano de seca de chuvas. O Sistema Cantareira chegou ao seu mais baixo nível: 7,7%. Pior a situação do Sistema Alto Tietê: 4,6%, com risco mais precoce de colapso, impactando em mais de 4 milhões de habitantes. O Metrô não avançou em mais de 2km de obras executadas no ano, estações prometidas para 2014 foram postergadas para 2015. O Orçamento de 2014 apresentou uma concentração ainda maior dos recursos de investimentos para a Região Metropolitana, levando algumas regiões do interior a percentuais negativos de investimento, comparados com 2013. A pesquisa da CNI apontou que a indústria paulista atingiu o menor percentual de participação nacional no setor. Em uma década, caiu de quase 40% do PIB industrial, para entrar, em 2014, com 30% do PIB. A ausência de uma política industrial e a lentidão do governo do estado em enfrentar os gargalos de infra-estrutura, que estimulariam novos investimentos, faz o empresariado paulista postergar investimentos, reduzir empregos e perder espaço no cenário nacional e entre regiões dinâmicas do mundo. Não à toa, o IDH Metropolitano recém divulgado mostra que nossa RM da Capital não está entre as que mais evoluiu em relação à qualidade e, a partir da análise da PNAD em 2014, o nosso estado apresentou o maior número de crescimento absoluto da pobreza.
Apesar da queda em todos indicadores econômicos e sociais, que mostram o estado menos a frente de outra regiões do país, o debate político eleitoral fez recrudescer em São Paulo a sensação de superioridade em relação outra regiões, incitando o preconceito regional ou a retomada do discurso de independência em relação ao país. Artigo recentemente publicado na imprensa (FSP 28/11/14) pelo atual secretário estadual de energia de SP é uma pérola em relação a isso. O mesmo defende uma espécie de “independência energética” do estado em relação ao Brasil: matriz, leilões, política de preços e regulação próprios. Usando como argumento que o potencial do estado estaria sendo subtilizado pela política do governo federal e seria suficiente para garantir soberania energética para a “locomotiva” do Brasil. É lógico que no discurso, nenhuma linha a respeito de que a garantia de oferta de energia para o nosso estado hoje vem das linhas de transmissão construídas pelo governo federal, que viabilizam a chegada de milhões de megawatz vindos de Itaipu, Minas Gerais e Norte do país. Pobre São Paulo se não fosse a força de trabalho, os mercados de consumo, as riquezas naturais, os cérebros e a alma cultural de todo o Brasil, que nos ajudaram a ser tão gigantesco.
Feliz Ano novo só com uma nova atitude política de todos que defendemos um São Paulo mais diverso e menos desigual. Ao longo da história paulista, um segmento relevante da nossa sociedade fez daqui um território de luta permanente e extremamente ativa pela democracia do país, fortaleceu o pensamento crítico nas instituições de pesquisa e produção de conhecimento, criou um movimento cultural enraizado na vida das manifestações populares e das periferias urbanas, protagonizou o movimento popular da área urbana e na área rural, deu origem ao movimento sindical moderno e colocou em prática experiências inovadoras na gestão pública em governos municipais. O ano de 2015, tem que ser o marco da criação de um movimento político que reúna todos aqueles pensadores, entidades, instituições, representantes nos vários níveis de parlamento e governo, partidos políticos que consideram que o estado mais rico do país merece um projeto alternativo de desenvolvimento. Por um lado, enfrentarmos a brutal desigualdade regional e social não superada ao longo do período tucano e, por outro, fazer deste estado um protagonista de mais um ciclo nacional de retomada do crescimento, geração de empregos qualificados, avanço nos direitos e inserção soberana na economia global.
Considero que três eixos devem motivar a criação de um Foro São Paulo para São Paulo reunindo, em articulação permanente, este campo a partir de 2015.
Enfrentar a brutal desigualdade social e regional, que no estado de São Paulo revela-se com outras cores e facetas. A desigualdade social econômica em São Paulo praticamente não se moveu, mesmo no período de grande redução no Brasil de Lula e Dilma. A concentração do PIB no estado se resume a menos de 10 municípios, relegando regiões inteiras como Itapeva, Alta Paulista, Vale do Ribeira, Pontal do Paranapanema a indicadores sócio econômicos das regiões menos desenvolvidas do Brasil. Mesmo a riqueza nas Regiões metropolitanas não chega a todos, como revelam os dados de escassa melhora do IDH nestas regiões paulistas, comparada com a ascensão que existiu no Brasil. A desigualdade se expressa nos embates do uso do espaço: a reação aos rolezinhos, às faixas de ônibus, às ciclovias, à restrição às praias privadas, à luta pelo direito a moradia e a terra. Ela se expressa em instituições que orgulham o imaginário paulista: a USP da cidade universitária x a USP Leste. Nos equipamentos públicos: a diferença entre as estações de Metro da região da Paulista com as estações da CPTM na periferia da região metropolitana ou sucateamento delas no interior. No acesso a serviços privados: os padrões diferentes de planos de saúde, de escolas particulares e do aparato de segurança.
Ser protagonista na defesa dos direitos humanos entendidos como direito à cultura, orientação sexual, acessibilidade em todos níveis, ao envelhecimento saudável e digno, à proteção a criança, à promoção da igualdade racial, ao combate à violência contra a juventude e contra as mulheres, pelo fim dos Autos de Resistência, entre outros. Uma atitude de reafirmação constante dos direitos humanos e de ousadia no debate com a sociedade é de fundamental importância para a disputa do imaginário do SP onde queremos viver. É fundamental fazê-la em interlocução constante com a sociedade, não se fechando em guetos ou espaços protegidos. Não podemos recuar um milímetro na disputa com a onda conservadora que assola o mundo e que ocupará qualquer vácuo que seja permitido.
Mostrar que esta articulação permanente é capaz de construir uma plataforma de desenvolvimento econômico sustentável para o estado de São Paulo. Uma proposta que incida sobre as decisões nacionais e seus impactos na economia mais industrializada e com o setor agrícola altamente produtivo, mas que detalhe as responsabilidades e desafios dos instrumentos do governo do estado para transformar São Paulo em um terreno fértil para uma economia sustentável, inovadora, mais empregos qualificados, potência alimentar e energética no campo.
Constituir este movimento exigirá respeito e paciência diante da diversidade de olhares e experiências atuais que possa constituí-lo. Mas esta aposta baseia-se muito mais nos posicionamentos e convergências comuns do que naquilo que gera divergência entre nós. Tenho o sentimento de que a persistência de uma hegemonia tucana ao longo de tantos anos em um estado dinâmico com São Paulo, deveu-se menos por uma adesão ao modo de governar de seus dirigentes e mais da pouca intensidade da presença de uma alternativa. É hora de usarmos as redes, as estradas e as ruas, todos os meios para provocar um debate permanente com a sociedade. Com todos os instrumentos que temos para fazê-lo, driblando-se toda e qualquer blindagem sobre o governo estadual, algo que não tem paralelo nem em outros estados do país. Esta é uma aposta em uma nova atitude e também na interlocução, na coordenação de agendas e atividades, no apoio mútuo a meios de comunicação que deem voz ao debate crítico sobre o nosso estado, e na construção paciente de consensos programáticos. Acredito que, a partir de 2015, podemos dar os passos para a uma Plataforma comum pelo fim da Desigualdade para São Paulo. Um Foro São Paulo para São Paulo inaugurará um novo debate político com o povo paulista e construiremos o caminho para que SP seja o melhor lugar para se estudar, investir, amar e viver!
*Alexandre Padilha é ex-ministro da Saúde e ex-candidato a governador de SP pelo PT