Governo Haddad reúne travestis e transexuais para anunciar programa, e eles roubam a cena
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Mais do que ouvir os detalhamentos do programa e discursos políticos, muitos travestis e transexuais compareceram à Biblioteca Mário de Andrade para se fazer ouvir
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), passou por algumas saias-justas na tarde de hoje (29), no lançamento do Programa Transcidadania. Foi interrompido várias vezes em sua fala por pessoas que queriam expressar, sem cerimônia, seus problemas e sentimentos. Mais do que ouvir os detalhamentos do programa e discursos políticos, muitos travestis e transexuais compareceram à Biblioteca Mário de Andrade, na região central, para se fazer ouvir. E assim foi. Para conter os ânimos, o prefeito interrompeu o discurso para dizer que se comprometia a conversar com eles após a cerimônia: “Aqui todo mundo tem vez”, disse. Mal saiu da sala e ouviu um sem-número de reclamações.
O programa, que trata da inclusão da população travesti e transexual, vai inicialmente atender a 100 pessoas. Estavam todos lá, mas os demais, que eram muitos, buscavam um espaço junto a Haddad fosse para uma foto ou para uma reclamação pessoal. O prefeito contornou a situação transferindo os problemas para o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, que o acompanhava.
Sottili sela seu mandato com a oficialização do Transcidadania, constante do Programa de Metas da cidade (meta 61 – desenvolver ações permanentes de combate à homofobia e respeito à diversidade sexual). Na próxima segunda-feira (3), ele entrega o cargo ao senador Eduardo Suplicy (PT).
Um momento particular de contentamento da plateia foi quando Haddad assinou protocolo, publicado hoje (Dia Nacional da Visibilidade Trans), no Diário Oficial da Cidade, prevendo a inclusão e uso de nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da rede municipal de ensino. Ser tratado pelo nome de batismo é uma das principais barreiras na vida de um transexual ou travesti. “Temos de nos orgulhar do dia de hoje porque estendemos a mão para uma população discriminada”, disse o prefeito.
Aline Marques, representante dos beneficiários do programa, tomou a palavra com bastante humor, pediu para o técnico do som se dava para afinar sua voz, arrancando gargalhadas da plateia. Um minuto após, ao relatar sua experiência de exclusão, não conteve o choro. Com a fala trêmula, disse: “Muitos de nós queremos estar na escola, no mercado de trabalho e, no entanto, sofremos com o estigma das esquinas. Nosso lugar é nas empresas. Nos ajudem, por favor”.
O programa
O Transcidadania dá direito a uma bolsa de R$ 840 para os inscritos que cumprirem jornada semanal de 30 horas com formação escolar e profissional. É um programa com duração de dois anos, que deve ser ampliado, segundo Haddad.
Ações vinculadas a seis secretarias fazem parte do programa. Sem dúvida, a mais comemorada foi a inclusão do tratamento de hormonoterapia em duas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade.
Sottili reconhece que 100 vagas é um número simbólico, mas trata-se do “início de um processo”. Para ele, é uma forma de a prefeitura sinalizar para essa população que ela não é invisível: “Vocês são vulneráveis, mas têm direitos como acolhimento, saúde, assistência social, cidadania e educação”. O secretário acredita que o programa enfrenta a homofobia, já “quase naturalizada na nossa sociedade”, ao atacar o preconceito e fazer a inclusão social.
O coordenador de Políticas LGBT da prefeitura, Alessandro Melchior, explicou que os travestis e transexuais serão acomodados inicialmente em duas escolas, a Emef Celso Leite e Cieja Cambuci, ambas na região central, em horários variados. Ele opina que, de pronto, os incluídos no projeto não devem conseguir abrir mão da prostituição – fonte de sustento de muitos, mas que aos poucos vão ganhando cidadania e criando novos caminhos. Nas escolas terão direito a utilizar o banheiro que condiz com sua identidade de gênero, outro ponto forte de exclusão.
Vida nova
A travesti Valéria Vogue, de 47 anos, moradora da Penha, na zona leste, é prostituta, “por enquanto”. Começa as aulas dia 4 de fevereiro e pretende aprender a cozinhar para mudar de vida daqui a um ou dois anos. Avalia o Transcidadania como um elo para a população LGBT. “Aqui, a categoria se mostra mais unida. Lá fora é guerra, recalque, inveja.” Valéria saiu da escola aos 16 anos pela falta de aceitação.
A transexual pernambucana Joyce Luiza Mendes, também de 41 anos, não se prostitui há quatro. Desde então participava do Programa de Ocupação Temporária, pelo qual trabalhou no Parque Ecológico do Tietê, cuidando de mudas de plantas, e depois no Centro Cultural do Idoso. “Acredito que o Transcidadania abrirá as portas para o trabalho e ensino. Estava desesperançosa.” Joyce disse que se a situação não melhorar, ela prefere voltar para a Europa, onde se prostituiu por muitos anos, a ser tão discriminada no Brasil. Ela descobriu-se com identidade de gênero feminina aos 13 anos. Gosta de costura, cozinhar e cuidar de idosos.
Por: RBA