Escolas fechadas, caminhões-pipa e conflitos: como será São Paulo sem água?
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Futuro rodízio pode revelar efeitos permanentes da crise hídrica na capital e região metropolitana. Sem orientações do governo, população não sabe combater a falta de água
Com as chuvas abaixo da média em São Paulo, o Cantareira pode secar nos próximos meses. No pior cenário, seca em março. A trágica previsão do presidente da Sabesp preocupou a população que – ao contrário dos bairros mais pobres – ainda não sentiu os efeitos da crise hídrica. Agora, eles se perguntam: Como viver em São Paulo sem água?
Ainda é difícil definir os impactos sociais e econômicos dessa crise sem precedentes. No entanto, algumas consequências do total desabastecimento são previsíveis, como fechamento de escolas e suspensão das aulas, tráfego intenso de caminhões-pipa para atendimentos emergenciais, escritórios abandonados e até violência entre vizinhos na disputa pela água potável, por exemplo.
Com o rodízio de abastecimento em cinco dias da semana, que não tem dada para ser oficialmente implantado segundo o governador Geraldo Alckmin, creches e escolas seriam as primeiras a sentir os efeitos permanentes da crise. Com reservatórios vazios, elas dispensariam alunos e antecipariam as férias escolares. A possibilidade já é discutida nos bastidores. Segundo a coluna de Sonia Racy, no jornal O Estado de São Paulo, o governador já estuda antecipar o período de junho para maio para diminuir o consumo de água. Isso afetaria diretamente a rotina familiar.
“É bem provável a suspensão do semestre letivo até a volta das chuvas. As crianças deixariam a escola sem data para voltar. Vamos ter um impacto na organização familiar”, explica o físico Delcio Rodrigues, especialista em mudanças climáticas e conselheiro do Vitae Civilis. O segundo impacto, segundo ele, ocorreria nos escritórios sediados em prédios que não contam com grandes reservatórios de água.
No primeiro momento, sem água potável para consumo, empresas dariam férias coletivas aos trabalhadores. Pequenos comércios, como padarias, restaurantes, bares e até salões de cabeleireiros, por exemplo, também fechariam as portas. “Funcionários terão férias coletivas, mas se a situação não se normalizar, vão começar as demissões”, sugere Rodrigues, que não descarta também a saída de grandes companhias da capital. “A soma de tudo isso gera um impacto significativo no emprego. Não temos experiência história para dimensionar os prejuízos”, defende.
O anúncio do possível rodízio reforçou a ineficiência do Estado, critica o especialista. Quando a torneira secar por uma semana, as pessoas deixarão suas casas em busca de água para tomar banho, cozinhar e realizar as necessidades básicas. “Vimos isso na cidade de Itu há pouco tempo. As pessoas vão apelar para a violência. Esse individualismo pode gerar muito conflito social”. Para evitar o “salva-se quem puder”, o governo deve apresentar um plano de emergência e definir locais e horários para a distribuição de água potável. “Quanto mais em cima da hora, vamos ter mais conflito e pânico. A população tem que se armar com o coletivismo porque o governo não dá a resposta necessária”, conclui.
Antônio Carlos Zuffo, geógrafo e chefe do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, cita que com o fim do Cantareira, São Paulo ficará completamente dependente da vazão natural dos rios. A terceira cota do volume morto duraria no máximo 40 dias, considerando a taxa de consumo atual. Para amenizar “o clima de guerra”, ele sugere o abastecimento temporário com a água da represa Billings, hoje poluída após décadas recebendo esgoto dos rios Pinheiros e Tietê.
“O governo poderia fazer uma desinfeção e colocar água bruta na rede. Eu preferia receber em casa uma água assim para dar descarga e até lavar roupa. É um abastecimento precário, mas pelo menos não ficaríamos totalmente sem água”, diz ele. Desinfetada, a água bruta chegaria aos lares com cor amarelada e forte cheiro, portanto, não potável.
Se ignorar a água da Billings, São Paulo será tomada pelo tráfego de centenas de caminhões-pipa. E o número de condomínios e hospitais na cidades colocaria em prova a atual frota desses veículos. “A minha obrigação é avisar a população da gravidade da situação. E o Estado não está fazendo isso”, explica Zuffo. Ele cita que outros países apresentam gestões de sucesso diante da crise, com decisões descentralizadas e participativas. “Nós estamos indo contra-mão do sucesso e indo direto ao fracasso. As decisões estão vindo de cima para baixo e são políticas, não técnicas”.
Desespero por informações
A estimativa de seca do Cantareira movimentou a agenda popular. Coletivos sociais realizaram pelo menos três debates na última semana sobre como lidar com a crise. Os bairros Pompeia e Pinheiros receberam os primeiros encontros. O grupo Casa de Lua reuniu ao menos 40 pessoas, todos de classe média-alta, para propor soluções práticas de sobrevivência com a ajuda de três ambientalistas e ativistas. O evento durou duas horas e meia. Todos deixaram o local assustados, questionando ainda como deveriam captar água de chuva e economizar.
“São pessoas extremamente cultas, mas que não têm ideia do que fazer. A população ficou muito tempo em em estado de negação. Estamos super atrasados. Talvez, a fase de propostas comece tarde demais”, disse uma das organizadoras do evento, ressaltando que “o encontro foi marcado pela urgência das nossas angústias”.
A estudante Camila Pavanelli, de 32 anos, busca entender a situação desde outubro do ano passado. O grande número de reportagens publicadas e informações soltas da Sabesp fez com que ela criasse o tumblr Boletim da Falta d’Água em SP. Sua tarefa é reunir semanalmente diversas publicações para traduzir a crise aos seus leitores.
“Minha tentativa foi um encontrar um jeito didático para explicar o que está acontecendo”. Ela está frustrada, porém, por competir com boatos e teorias da conspiração que circulam na internet. “Existe uma demanda enorme da não informação. As pessoas ainda não querem saber que água pode e vai acabar”.
A ambientalista Claudia Visoni, líder do movimento Cisterna Já, percebeu que a urgência por informações cresceu nas últimas duas semanas. O grupo divulga o know-how para a captação e aproveitamento de água da chuva, que pode suprir até 50% do consumo de uma residência. “Falamos sobre isso desde o ano passado, mas parece que a sociedade não levou muito a sério. A Copa do Mundo e Eleições desviaram o foco”.
A população, segundo Cláudia, deveria se preparar com um plano de contingência de curto prazo. “Tem coisas, como a cisterna, que a gente consegue fazer no nível individual. Mas a sociedade precisa se reorganizar e buscar informações. Mas ainda precisamos de mais informações e transparência. O governo deve isso para a sociedade.”
Hidrômetros individuais
Presidente da Metal Sinter, que cria soluções para economia de água, Sérgio Cintra também viu sua demanda disparar – nos últimos 15 dias. Só agora, com as torneiras secas, alguns condomínios residenciais o têm procurado. “Com a redução da pressão [feita pela Sabesp], alguns andares mais altos não estavam recebendo água. Então a gente começou a receber demanda para tratamento de água de efluentes, captação de água da chuva”, conta. “Agora a população está em pânico. E vai faltar água mesmo. Vamos ter um clima de guerra, um Mad Max de vizinho roubando água do vizinho.”
O empresário diz que, na maioria dos casos, os condomínios sequer possuem medidores (hidrômetros) para cada residência – a individualização reduz em até 35% os gastos com a conta de água, segundo o Secovi, o sindicato do mercado imobiliário. A captação de água de chuvas oferecida pela Metal Sinter permite uma economia de 30%. A empresa desenvolveu e patenteou, também, uma alternativa mais barata. “O consumidor que tem piscina a utiliza como um volume morto”, conta Cintra. “Há uma estação [de tratamento] que está lá, puxa a água da piscina e manda para a caixa d’água.”
A Metal Sinter também criou um sistema que permite economia de até 90% da água na lavagem de carros, mas só em novembro do ano passado o sindicato de postos de combustíveis do Estado decidiu firmar um acordo com a empresa para ajudar os filiados a implementá-lo – em novembro do ano passado.
Para Cintra, o governo Alckmin é o responsável pela lentidão da população em adotar medidas de redução de consumo. “Todos foram iludidos pelo governo estadual, que se comprometeu a não [deixar] faltar água e ficou rezando para São Pedro sem ter um plano B”, afirma o empresário. “Houve uma corrida recente [em busca de soluções de economia] porque todo mundo acreditou no que se falava. O governo estadual foi inapto, não foi honesto e sincero, não foi profissional”, conclui.
Fonte:
IG