José Roberto Paludo: Militância socialista
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Somos petistas e socialistas.
Sonhamos com uma sociedade mais humana, democrática, sustentável e culturalmente libertadora. Lutamos contra o sistema capitalista, contra o aumento das desigualdades e contra o desrespeito aos direitos humanos (machismo, homofobia, violência contra os pobres, índios, negros e outras culturas).
Não somos daqueles que acham que a missão do PT se resume a disputar eleições e ganhar governos. Isso é muito importante, mas não é o fim, sim um meio para promover uma justa distribuição das riquezas materiais e acesso democrático aos bens culturais, promover a ampliação do tempo livre e o acesso aos bens comuns de uso coletivo (saúde integral, água, alimentos, habitação, energia, vestuário, proteção social, mobilidade, cultura, esporte e lazer).
Enfim, num sistema socialista, as pessoas devem ser sujeitos autônomos, com as necessidades básicas garantidas que lhes permita decidir sobre sua vida, sua liberdade e sua individualidade, sem sofrer dominação, discriminação e opressão. A democracia vai além do direito de votar e ser votado, ou da democracia de mercado, ou da democracia do monopólio da mídia.
Um mundo em crise
A crise de 2008 nos países ricos continua tendo efeitos: perda de direitos sociais, redução de salários, aumento do desemprego, maior agressão aos recursos naturais e aumento do endividamento. Num primeiro momento propiciou aos países em desenvolvimento um crescimento acima da média mundial, mas agora bateu à porta de China, Rússia, Índia, África do Sul e também do Brasil, que até então investiu num modelo de mercado de consumo interno de massas e na elevação da renda dos mais pobres.
A política de austeridade imposta pela Troika (União Europeia, FMI e Banco Central Europeu) foi derrotada pela esquerda na Grécia, com o Syriza, e na Espanha, com o Podemos. Na América Latina, depois de um “progresso econômico”, entre 2002 e 2013, os mais de 60 milhões de pessoas que saíram da pobreza extrema correm o risco de voltar a ela no caso de agravamento da crise. Apontar caminhos para superá-la significa ter opção política, significa disputa de projeto, sem ajuste fiscal, mas com taxação das grandes fortunas e heranças para mexer nas estruturas de concentração de riqueza.
O legado petista
Lutamos contra a ditadura e construímos um partido de massa, disputamos todas as eleições presidenciais desde 1989, governamos nas três esferas do Executivo, revolucionamos o modo de fazer política com participação popular e com inversão de prioridades, lutamos por mais direitos e fomos implacáveis na fiscalização e no combate a corrupção. Ao longo do tempo, porém, alguns mandatos petistas acabaram abandonando essas bandeiras e optando pelo viés pragmático, fazendo governos tradicionais, e iniciaram nossas principais contradições no âmbito institucional. Temos de nos orgulhar da nossa história, mas ao mesmo tempo precisamos ter a humildade de reconhecer nossos erros e apontar soluções para superá-los.
Em 2002 inauguramos um ciclo de crescimento com distribuição de renda, apostando num mercado de consumo de massa, melhorando a vida dos de baixo, sem mexer nos de cima, caracterizado como lulismo.
Foram muitas conquistas importantes do Estado como indutor do desenvolvimento, protagonizamos o maior e melhor programa de transferência de renda do mundo, ampliamos e facilitamos o crédito e a construção de casas populares, houve um grande salto na valorização do salário mínimo e os menores índices de desemprego de toda a história, uma grande expansão e criação de universidades e escolas técnicas – enfim, registramos uma redução significativa da miséria e da desigualdade social e um processo de mobilidade social como nunca antes visto no Brasil.
Contudo, não houve reformas estruturais do Estado e mesmo as econômicas e sociais mais profundas foram adiadas em nome da governabilidade, como a reforma tributária, política e agrária e a regulamentação do mercado da mídia.
Alianças garantiram avanços, mas custaram recuos programáticos e simbólicos com o atraso e oligarquias regionais. Reconhecemos avanços no combate à corrupção, através da Lei de Acesso à Informação, do Portal da Transparência, do fortalecimento das carreiras de Estado e da fiscalização da aplicação dos recursos federais repassados aos municípios através da Controladoria-Geral da União, mas ainda há muito que fazer para superar essa doença sistêmica do capitalismo e da cultura patrimonialista que sobrevive no Brasil.
Fruto desses avanços, cresceu uma nova geração de brasileiros, que não têm a memória do neoliberalismo, do desemprego, da conivência com a corrupção, e não reconhecem a melhora de vida de grande parte da população como mérito do PT. Essa nova geração já incorporou os benefícios deste ciclo desenvolvimentista e coloca outras pautas, que não são revolucionárias, mas sim populares, voltadas à melhoria da qualidade de vida. Ao mesmo tempo, somos atacados pela mídia e pelos nossos adversários políticos e de classe, que combinam o ódio contra o PT alimentado pela pauta da corrupção com o terrorismo econômico.
O ódio contra o PT aflorou os valores mais antidemocráticos da velha e jovem direita brasileira, na forma de xenofobismo contra os nordestinos, racismo, machismo, homofobia, ojeriza aos pobres. A recente eleição marcou o fim de mais um ciclo político e o cenário atual e futuro requer uma reflexão mais profunda do que uma simples avaliação eleitoral – requer um debate de projeto político de longo alcance. Para viabilizar um novo ciclo de desenvolvimento para o Brasil é preciso começar a estabelecer novos parâmetros desde já e perseguir essa estratégia por um longo período.
Um projeto para o futuro do Brasil
Diante dos desafios futuros que se vislumbram, precisamos ser otimistas e propositivos. Assim, apresentamos uma agenda política para o Brasil pautada nas seguintes diretrizes:
- Protagonismo do Brasil no cenário internacional;
- Continuação do combate às desigualdades como eixo estratégico do desenvolvimento, com desoneração da produção, taxação das fortunas, heranças e lucros, além da transformação das políticas de distribuição de renda em direitos de seguridade social e economia solidária;
- Brasil potência econômica, mas também potência política, social e, mais ainda, potência ambiental e energética;
- Estado forte e indutor do desenvolvimento, com um planejamento de curto e longo prazo que combine investimentos em infraestrutura e políticas estratégicas;
- Reforma política que mobilize a sociedade para debater amplamente através de assembleia constituinte exclusiva e soberana;
- Democratização dos meios de comunicação;
- Política de trabalho decente, avanços dos direitos trabalhistas, 40 horas semanais, equiparação de salários entre homens e mulheres na mesma função;
- Políticas sociais, resgate e garantia dos direitos humanos, fim de todos os tipos de violência – familiar, social e de Estado, contra as mulheres, os pobres, os negros, os povos indígenas, LGBT, idosos e crianças;
- Empoderamento feminino, fim de toda forma de opressão e violência, ampliação das políticas públicas para as mulheres;Efetivação dos direitos constitucionais, como reforma agrária e urbana, regularização das terras quilombolas, ilhas amazônicas, demarcação das terras dos povos indígenas e Unidades de Conservação;
- Novo ciclo de políticas públicas, discutidas no âmbito local, de caráter emancipatório, segundo concepção da educação popular, que permita a emancipação política, social e cultural dos trabalhadores e trabalhadoras.
Modelo organizativo e agenda partidária
O programa petista deverá se transformar no parâmetro para nossa organização e no conteúdo para nossa propaganda política e disputas institucionais. O PT precisa retomar o conceito de disputa de hegemonia, articulando a ação institucional e as lutas dos movimentos sociais com base numa forte organização interna. Por isso propomos: Combinar democracia direta e representativa nos fóruns e instâncias, democratizar os fóruns internos, dando poder de decisão aos encontros partidários, organizando núcleos do partido e fortalecendo as políticas setoriais; Atualizar a estratégia de recrutamento de novos filiados que leve em conta, além de um enfoque de classe, um recorte etário, de gênero e étnico; Reorganizar os sistemas do PT (SisFil, SisPed, Sace, Comunidade PT), tornando-os mais integrados, para que os dados possam servir na organização e comunicação dos diretórios municipais; Valorizar mais nossas inovações organizativas, como a paridade de gênero, as cotas para jovens e étnico-raciais, e avançar para as cotas de pessoas com deficiência; Ressaltar a importância do limite de três mandatos para o mesmo cargo no Poder Legislativo e retomar o papel dos mandatos genuinamente petistas.
O PT não deve menosprezar o efeito político e para a imagem do partido de qualquer denúncia sobre corrupção. Precisa reagir, se posicionar, acompanhar as denúncias com transparência, com amplo direito de defesa, e se posicionar favorável às punições.
O PT deve desenvolver os próprios canais de comunicação abertos, com TV, rádio, web e jornal diário, assim como, no âmbito das artes, promover festivais, mostras e outros grandes eventos em todos os níveis. Uma organização sem instrumentos de comunicação de massas é incapaz de disputar a opinião pública.
*Síntese da Tese da Militância Socialista ao 5º Congresso Nacional do PT, discutida de 15 de dezembro 2014 até 15 de março 2015, em dezesseis estados e coordenada por José Roberto Paludo .
José Roberto Paludo é membro do Diretório Nacional do PT e coordenador Nacional da Militância Socialista