O Plano Safra da Agricultura Familiar significa muito mais do que alimento na mesa. Ele representa a convivência solidária entre campo e cidade
“O imaginar o senhor não pode, como foi que eu achei gosto naquela comida, às ganas, que era: de feijão, carne-seca, arroz, maria-gomes e angu. Ao que bebi água, muita […]“
A epígrafe foi extraída de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, mas referências da fartura à mesa nativa poderiam ser colhidas em tantas outras obras da nossa literatura. O melhor da nossa prosa nutre-se da variedade de alimentos que produzimos. Para que germinem cada vez mais saudáveis, a presidenta Dilma Rousseff anuncia o Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-16 nesta segunda-feira (22).
Resumir a agricultura familiar à produção de alimentos é muito, mas não é tudo. Cerca de 70% do que chega às mesas dos brasileiros provém da agricultura familiar –70% do feijão (que Riobaldo saboreou com “ganas”), 83% da mandioca, 69% das hortaliças, 58% do leite e 51% das aves.
Se ela provisiona segurança alimentar, atestada pela ONU (Organização das Nações Unidas), também nos proporciona alimentos saudáveis, cada vez com menos agrotóxicos. Enquanto alimenta, reduz nossa dependência de alimentos importados e contribui no controle da inflação. Ou seja, traz segurança macroeconômica.
Assim como brotam refeições das lavouras de 4,3 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar (84% do total), vicejam em suas leivas farta riqueza, que gera distribuição de renda, protege a biodiversidade e mantém a juventude no meio rural. Que tece espaços de vida.
Espaços estimulados pelo governo federal. Os R$ 2,4 bilhões do Plano Safra da Agricultura Familiar 2002-03 saltaram para R$ 24,1 bilhões em 2014-15 –dez vezes mais.
Esse incentivo, que será maior em 2015-16, vem de políticas públicas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dão segurança a quem produz, apoiam a comercialização e agregam valor à agricultura familiar dinâmica. É vital à economia, pois responde por 74% dos postos de trabalho nos campos do país –o dobro do que gera a construção civil.
O imaginário do agricultor que calca o berço onde joga a semente à espera do orvalho que a faz germinar vai se evanescendo dos roçados. Entre 2008, primeiro ano da linha de crédito Mais Alimentos, e 2014, a venda de tratores destinados à agricultura familiar dobrou –alcançando 20.388 unidades, 31% do total produzido no Brasil.
O arado, esteio da agricultura por milênios, vai cedendo à tecnologia, aumentando a produtividade no campo e a produção industrial.
Essa imensa cadeia produtiva não se espraia só por rincões e querências afastados. A nova ruralidade, que abriga o conceito de territórios, engloba 4.963 municípios. O território rural, que integra campo e cidade, agrega-se pela coesão e identidade cultural, social e econômica.
Esses programas de desenvolvimento rural são coordenados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceira com outros entes do governo federal. Políticas que buscam restringir os flagelos aos compêndios históricos, como o que as pesquisadoras Heloisa Starling e Lilia Schwarcz descrevem em seu alentado “Brasil: Uma Biografia”.
Com base em obra do jesuíta André João Antonil, a dupla descreve o desastre famélico entre os séculos 17 e 18 nos sertões mineiros. “Deslumbrados” pelo tesouro que brotava das minas, aventureiros morreram “com as mãos cheias de ouro”, já que se esqueceram de plantar “mandioca, feijão, abóbora e milho”.
Assim, o Plano Safra da Agricultura Familiar significa mais que alimento na mesa dos brasileiros. Representa a agroecologia, a diversificação no plantio, o desenvolvimento territorial, a cultura preservada, a qualidade de vida, os mananciais resguardados, a geração de energia, a redução da pobreza, o desenvolvimento interiorizado, o crescimento com sustentabilidade.
Representa a convivência solidária entre o campo e a cidade.
(Artigo originalmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 22 de junho de 2015)
Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Agrário