O êxodo sírio e a solidariedade brasileira
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Décio Lima (*)
O êxodo da população da Síria, que foge da guerra e da morte, já é, segundo a ONU, a maior tragédia humanitária de nossos tempos. Doze milhões de pessoas abandonaram seus lares, quatro milhões estão fora das fronteiras sírias e oito milhões se deslocam dentro do país. Desenrola-se diante de nossos olhos, por milhares de telas, uma sequência sem fim de mortes e sofrimentos sobre uma legião de desterrados em movimento.
Feridas, famintas e sedentas, as vítimas da guerra que não encontram a morte no Mediterrâneo aportam em uma Europa hostil e repleta de cercas, submergindo, de determinada forma, em outra guerra, agora étnica. Antes de tudo é preciso compreender o conflito que os expulsou de seus lares. Ele é, também, resultado de questões políticas, econômicas, culturais, históricas e geográficas do mundo árabe, mas é, antes de tudo, uma das consequências da desastrada intervenção política e militar realizada no Oriente Médio pelas nações mais ricas do Ocidente.
Preocupados apenas com seus interesses econômicos, os EUA e as potências europeias desconsideraram tanto as necessidades das populações locais quanto os fundamentos mais básicos da organização das sociedades em que intervieram. Procurando apenas os caminhos que permitissem que o petróleo continuasse fluindo barato para suas economias, impediram ou ignoraram as soluções que podiam ter levado a uma paz duradoura.
Convencido de que o pragmatismo é uma ciência e não uma ideologia como qualquer outra (afinal, acreditar que se eu sempre privilegiar meus interesses no fim tudo dará certo é só uma teoria sobre a realidade), o Ocidente aplicou no mundo árabe uma das leis do pragmatismo — “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Tal política, como sabemos, mostrou-se, em várias oportunidades, de resultados trágicos, fortalecendo a radicalização política e lançando parte da humanidade numa espiral de violência, morte e desestruturação econômica e social.
INTERVENCIONISMO – Ironicamente a política intervencionista tem também prejudicado seriamente os interesses de seus artífices no Oriente Médio. Diante das consequências catastróficas de seu egoísmo, as nações ricas reagem timidamente, primeiro lançando a culpa na cultura islâmica, depois dificultando até onde possível a vinda de refugiados para seus territórios.
Em tal cenário importa perceber a diferença qualitativa da posição do Brasil. No que diz respeito às causas da crise, lembro que a postura do Brasil foi e continua sendo pela autodeterminação dos povos. A política externa de nossos governos tem-se orientado pelo princípio de que cada povo tem o direito de decidir seu próprio destino e usufruir dos recursos que seu território possui.
Tivesse todo o Ocidente tal posição poderíamos supor que a estabilidade do Oriente Médio já estaria bem mais avançada, que centenas de milhares de vidas teriam sido poupadas e que talvez a tragédia que vemos não estivesse acontecendo. Não só propusemos políticas que poderiam ter evitado a tragédia como, diante dela, assumimos uma postura mais corajosa e solidária que seus causadores.
Diferentemente de nações que, constrangidas, falam em ajudar, mas tentam impedir o afluxo dos refugiados, brutalizando legiões de famintos e erguendo vergonhosas cercas, o Brasil, muito cedo, desde o recrudescimento do conflito em 2013, decidiu facilitar a entrada de refugiados sírios e outros atingidos pela guerra. Como resultado, o Conselho Nacional de Refugiados, em 2014, registrou 1326 pedidos de asilo feitos por cidadãos sírios, um aumento de 9000% em relação ao início da guerra em 2011. Os sírios já são hoje o maior grupo de refugiados de guerra asilado no Brasil.
Nosso país tem-se firmado como uma referência internacional por sua solidariedade com povos vitimados por tragédias. Os sírios não foram os primeiros e não serão os últimos que encontram aqui abrigo das catástrofes, naturais ou sociais, que eventualmente fustigam a humanidade. Somos um dos principais portos da civilização, território para o qual acorrem os que buscam a vida, a liberdade e o Estado de direito.
Ao dar asilo incorporamos à nossa sociedade a contribuição das gentes que chegam, seus saberes, seu trabalho, sua cultura, e assim nos tornamos mais múltiplos e fortes, comprovando na prática o que temos defendido internacionalmente: só a solidariedade, a cooperação e o respeito entre os povos podem gerar um futuro em que liberdade e justiça se espalhem pelo mundo e em que a tragédia de que somos contemporâneos jamais se repita.
(*) Deputado federal (PT-SC)