“Alckmin (PSDB) amplia ensino médio integral para legitimar reorganização disfarçada”, dizem professores
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Para professores e estudantes, aumentar a jornada nas mesmas escolas, com os mesmos problemas, sem investir, é pretexto para fechar classes, expulsar alunos, demitir professores e fazer caixa
São Paulo – A chamada “reorganização disfarçada” do governo de Geraldo Alckmin (PSDB), que enxuga o número de turmas, extingue turnos, demite docente e expulsa alunos em escolas de todo o estado, conforme vem denunciando o Sindicato dos Professores na Rede Oficial do Estado de São Paulo (Apesoesp), tem uma nova fachada: a ampliação do número de escolas de ensino médio em tempo integral.
De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, que não fala em números, há um processo de planejamento para que novas unidades venham a integrar a rede com jornada ampliada. A assessoria de imprensa da pasta negou ainda se tratar de uma adequação à reforma do ensino médio do governo de Michel Temer (PMDB), de quem Alckmin é aliado, que estimula o ensino em tempo integral.
No entanto, professores ouvidos pela reportagem em várias regiões da capital paulista afirmam haver forte pressão das diretorias de ensino sobre diversas escolas em busca de adesão ao projeto que segue a toque de caixa, pegando a todos de surpresa na comunidade escolar, com prazo apertado para a realização de consultas aos Conselhos de Escola, com objetivo de dar um caráter democrático à imposição do governo.
Além da pouca informação a respeito, a ideia não é bem vinda em muitos lugares. Na última quinta-feira (17), o Conselho da Escola Estadual Martin Egídio Damy, na Brasilândia, zona norte da capital, rejeitou da imposição sem a discussão necessária com a comunidade. Para professores, a vitória aponta para a necessidade de fortalecer a resistência. “O projeto tenta enganar os alunos, prometendo ensino de qualidade, mas na verdade só serve pra cortar verbas e professores, fechando o noturno e reduzindo salas”, disse um professor, que pediu anonimato.
Os professores contam que a comunidade foi surpreendida na última terça-feira (15), quando o Conselho de Escola foi convocado para se reunir dali a dois dias. A pauta: a proposta do governo de transformar o Damy em escola de tempo integral mesmo sem ter consultado a comunidade escolar e pais de aluno.
Conforme disseram, o ensino integral prevê a extinção de todo o período noturno e do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de reduzir o número de turmas das atuais 28 para apenas 11. Com a mudança na modalidade de atendimento, cerca de 1.000 alunos perderiam suas vagas, já que a oferta, com o tempo expandido, é limitado a apenas 300 vagas. “Esses estudantes teriam de ir para escolas vizinhas, que já estão superlotadas”, destacaram. É grande a preocupação dos professores, em especial com os alunos que precisam trabalhar, em muitos casos para ajudar suas famílias, e que não terão lugar nesse novo tipo de ensino. A tendência é acentuar a desvantagem que já trazem em relação aos demais.
Em se tratando de alunos do EJA, modalidade que vem sendo extinta em diversas escolas ao longo dos anos para desestimular a demanda, as perspectivas são ainda piores. No início de julho, a Secretaria da Educação de Alckmin publicou a Resolução 30, que fixa diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental e do ensino médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), em classes multisseriadas, como indica a reprodução abaixo:
Isso significa colocar na mesma sala, com o mesmo professor mal pago, estudantes de diferentes séries, com diferentes necessidades e ritmos de aprendizagem, geralmente com defasagem e com desvantagens educacionais acumuladas, para economia de recursos. Discute-se ainda a adoção da modalidade ensino à distância no EJA, em que esse aluno vai estudar sozinho, por conta própria, em casa.
“Estão tentando enganar a todos, prometendo uma escola integral ‘linda’, como da propaganda na TV, quando na verdade só querem enxugar recursos, fechando salas de aulas e diminuindo o quadro de professores. Alckmin está anunciando mais 80 Escolas de Ensino Integral para o ano de 2018. Imaginem quantas salas e períodos serão fechados e quantos professores perderão suas aulas”, disse uma professora, que também pediu para não ser identificada.
Conforme ela lembra, o projeto paulista está vinculado à reforma do ensino médio de Temer, que prevê ainda a redução do currículo, a contratação de profissionais sem formação – por “notório saber” – e a privatização das escolas por meio das parcerias com empresas privadas que querem se beneficiar dos recursos públicos da área. “Neste modelo, até horas de “estágio” dos estudantes e cursos feitos fora da escola poderão ser utilizadas para a contagem de horas no ensino médio. Quer dizer, ao invés de uma ampliação do ensino, há um esvaziamento”.
A professora chama atenção também para os cortes, que desde 2014 vêm prejudicando o setor. “Como criar escolas em tempo integral nessas condições, com corte de investimento?”
Barracão
Localizada na Cidade D´Abril, no bairro do Jaraguá, zona noroeste da capital, a Escola Estadual Ana Siqueira da Silva é outra que está na mira e pode ter seu atendimento à comunidade alterado a qualquer momento. Ali o Conselho também foi surpreendido com o projeto de ampliação da jornada para tempo integral. Sem infraestrutura adequada, com a pintura desgastada e com um laboratório de informática que funciona em um barracão. Fora o mobiliário em mal estado, porque não houve mais repasse de verbas para troca ou consertos.
O argumento para a mudança, como contam os professores, é a “baixa demanda”. E que a escola está localizada em região central do bairro, perto de ponto final de ônibus, o que facilita a vinda de alunos de outros pontos. No entanto, essa mesma razão justifica a procura da escola por estudantes do curso noturno, que vêm do trabalho.
Para os docentes, o tempo integral proposto, sem investimentos, em escolas sem infraestrutura, constitui um modelo distante do que eles defendem como ideal. Primeiro porque fecha os períodos parciais (manhã e noite), expulsando estudantes que só poderiam ficar na escola o dia todo caso tivessem bolsas para estudar – o que não é o caso da proposta do governo paulista. “Com o fechamento do noturno em muitas escolas, quem não puder estudar em escolas distantes de casa, ou pagar particular, vai deixar de estudar”, diz uma professora.
“E os que puderem ficar no tempo integral, terão o dia todo para ficar em ‘um depósito’ que não oferece atividades condizentes com educação de qualidade. Não há laboratórios e os alunos vão ficar o dia todo estudando apostila. E vão passar o dia todo na escola comendo merenda seca?”, questiona.
Os professores, segundo ela, também serão prejudicados. Com o fim do noturno são fechadas 15 turmas, levando à dispensa de cerca de 20 deles. Mesmo os concursados perdem a estabilidade. O adicional que chega a 75%, segundo ela, não compensa a dedicação exclusiva por 9 horas diárias, sob o risco de ser dispensado pelo gestor. “Em casos assim, se o diretor implicar, dispensa e esse professor fica adido, apesar de ser titular do cargo.”
Integral, sim, mas não esse
Como os professores, os estudantes são favoráveis a um modelo de ensino em que todos possam ficar o dia todo na escola, podendo aprender mais e melhor por meio de projetos avançados, de iniciação científica, e com pagamento de bolsa (em escolas particulares) para os estudantes que precisariam trabalhar.
No entanto, como esse modelo oferecido pelo governo Alckmin é muito diferente, eles não aprovam. O dirigente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), Anderson Ribeiro de Freitas, entende que esta é mais uma proposta autoritária – a exemplo da reorganização derrotada há dois anos pelas ocupações estudantis – e sobretudo populista.
“A população é induzida a achar que a escola ficará de melhor qualidade. Mas não é assim porque não adianta pegar a mesma escola, que não é boa, e deixar a gente lá dentro na mesma situação, ao longo de todo o dia, com apenas bolacha de água e sal e suco de caixinha. E com essa mudança ele consegue fechar turnos e turmas, como aconteceu em Santos, na Escola Azevedo Júnior”.
De acordo com ele, alterar o funcionamento de escolas “de maneira autoritária, a toque de caixa, realocando alunos em outras escolas, sem discussão prévia, é no mínimo irresponsável”. “É mais um instrumento da reorganização disfarçada.”
No início do mês, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) divulgou pesquisa segundo a qual, em vez de contribuir para a redução das desigualdades educacionais, conforme discurso do governo, o atual modelo de escola integral aprofunda.
Fonte: Rede Brasil Atual
Foto: Divulgação/Planalto