Brasil precisa manter avanço civilizatório – Por Ana Perugini
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O Brasil tem acumulado uma série de avanços civilizatórios desde o fim do regime militar, tendo como marco inicial o movimento das diretas-já, em 1984. Desde então, a sociedade brasileira tem lutado e registrado conquistas importantes, como o avanço da inclusão de pessoas com deficiência, o reconhecimento dos direitos das minorias e a participação cada vez mais crescente da mulher na vida econômica e política do país.
Mas talvez o grande salto civilizatório que o Brasil deu neste período chamado de redemocratização tenha sido o olhar cada vez mais atento para suas crianças e adolescentes. Nesse campo o país deu, inclusive, um exemplo mundial, ao incluir na sua Constituição Federal, de 1988, os direitos da infância e juventude, conforme os termos do artigo 227.
Houve uma enorme mobilização para que isso tivesse ocorrido. Com o apoio de organizações como a CNBB e o Unicef, foi feito importante esforço em torno de uma emenda popular, que recebeu milhares de assinaturas, para que o novo texto constitucional garantisse, de forma inédita na história brasileira, os direitos das crianças e adolescentes.
Como ato simbólico mais importante dessa movimentação, em maio de 1988 houve um “abraço” ao Congresso Nacional, com a participação de centenas de crianças e jovens. E de fato os direitos da infância e juventude foram incorporados à Constituição Cidadã, respeitado o conceito da Doutrina da Proteção Integral, que garante prioridade absoluta para a criança.
É relevante lembrar que essa Doutrina da Proteção Integral passou a fazer parte da Carta Magna, antes mesmo que o conceito fosse universalizado com a aprovação, um ano depois, pelas Nações Unidas, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Foi um recado do Brasil ao mundo, no sentido de que o conjunto do país tem consciência de suas responsabilidades com seu maior patrimônio, que são as crianças e adolescentes.
Como se sabe, os direitos da infância e juventude seriam logo depois consagrados, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990. Tratava-se de uma reviravolta de 180 graus em termos do olhar da sociedade brasileira para seus meninos e meninas. Depois de séculos em que eles eram totalmente desprovidos de direitos, portanto não-cidadãos, sendo considerados “menores”, o Brasil dizia em alto e bom som que seus filhos e filhas eram, sim, cidadãos, e que eram prioridade em suas políticas públicas.
É todo esse legado, essa história de esperança e coragem, que está em jogo nesse momento em que se discute a maioridade penal. A aprovação de qualquer alteração no texto constitucional, com reflexo no ECA, no sentido de redução da maioridade penal, seria dizer que o Brasil abre mão desse princípio sagrado: todos, eu e você, amamos nossas crianças e jovens e por isso nos sentimos responsáveis por elas. Estado e sociedade, juntos, zelando pelo bem estar, pela integridade e por um futuro justo para nossos filhos.
São mais do que conhecidos e detalhados os estudos apontando que a redução da maioridade penal não irá equacionar a violência instalada em nosso país. A raiz da questão não está aí. Insistir nesse ponto é pura demagogia, é lavar as mãos, jogar a culpa naqueles que na realidade deveriam ser protegidos, na medida em que convivem, desde cedo, com o medo, a fome e o desespero, vítimas, também, dos negócios do crime. Não podemos, todos nós, inocentes ou culpados, sermos vítimas da falta de espírito público.
O Congresso Nacional recebeu um abraço de esperança e altos ideais civilizatórios em maio de 1988. Que ele agora receba outro abraço, o da responsabilidade e do dever cívico de manter o que já foi conquistado e, mais do que isso, de tentar avançar ainda mais, por meio de uma educação de qualidade e de serviços de saúde dignos, no sentido de que todos nossos meninos e meninas tenham efetivamente garantido o direito à vida, à beleza e à poesia, no cenário de um país cada vez mais justo e fraterno.
* Ana Perugini é deputada federal da bancada paulista do Partido dos Trabalhadores. É efetiva na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.