Chico D’Angelo: Menos preconceito
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Em artigo publicado nesta quarta-feira (22), no jornal “O Globo”, o deputado federal do PT pelo Rio de Janeiro, afirma que o combate às drogas orientado para a saúde pública reduz danos e melhora a qualidade de vida do usuário
Durante séculos, o abuso de álcool foi visto como um “vício moral” e de responsabilidade exclusiva do indivíduo. Apenas em 1849, o médico sueco Magnus Huss usou o termo “alcoolismo”, mostrando que a dependência química era, na verdade, questão de saúde. Mais de 150 anos depois, em muitos países as políticas públicas que abordam o uso de drogas ainda concentram parte de suas ações em um modelo proibicionista e na criminalização dos usuários, em uma estratégia que parece estar caminhando para a mudança.
Após décadas de tentativas mal sucedidas, especialistas têm afirmado: é preciso abandonar o modelo atual. As políticas que se desenvolveram em torno da repressão fracassaram. Segundo a ONU, o mundo tinha, em 2012, cerca de 240 milhões de usuários de drogas ilícitas. Desses, 27 milhões faziam uso abusivo das substâncias.
No Brasil, o número de prisões relacionadas ao porte ou venda de drogas triplicou em oito anos (entre 2005 e 2013), de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional. Mas a escalada repressiva não trouxe impactos para o número de usuários no país. A punição que deveria atingir os grandes traficantes alcança, na verdade, as maiores vítimas do consumo.
Existem, em todo o mundo, grupos de apoio e ajuda mútua que trabalham junto a usuários de álcool e outras drogas, com uma abordagem voltada à reformulação da personalidade. Apenas o Alcoólicos Anônimos (AA) engloba mais de 2 milhões de membros no mundo — 120 mil no nosso país.
O desafio da mudança de comportamento e personalidade, diante da realidade de usuários criminalizados, não contribui para facilitar a adesão; pelo contrário, acaba por afastá-los dos serviços de saúde. Além das consequências advindas da droga, essas pessoas estão expostas a outros riscos, que envolvem tanto aspectos físicos, como a infecção pelo HIV e a tuberculose, quanto emocionais e psicológicos. Nesse contexto, o modelo de combate às drogas orientado para a saúde pública atua reduzindo danos e melhorando a qualidade de vida do usuário. O foco passa a ser o indivíduo e não mais a droga.
A abordagem de redução de danos se constitui num conjunto de estratégias de proteção ao usuário de drogas que, corresponsável pelas suas condutas, tende a controlar melhor o seu consumo. O objetivo central deste modelo, independentemente de viver longe das drogas, é tratar cada usuário em sua singularidade, suas motivações e seus sentimentos.
A adoção de políticas voltadas para a saúde pública é o melhor caminho para lidarmos com o problema das drogas. Num momento em que a sociedade brasileira cada vez mais defende posições conservadoras sobre diversos temas, entre eles questões de gênero, raça e sexualidade, o debate sobre a dependência química se faz necessário para que enfrentemos o problema com lucidez, reflexão propositiva, conhecimento das experiências exitosas no Brasil e no mundo e, sobretudo, sem preconceito.
*Chico D’Angelo é deputado federal (PT-RJ)