EDUARDO LEITE: SANTO ANDRÉ PRECISA REVER SUA VOCAÇÃO
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Santo André precisa rever a sua vocação
Parte central do ABC Paulista, Santo André é uma cidade avançada graças aos conceitos modernos de gestão pública municipal implementados na década de 1990, principalmente pelo ex-prefeito Celso Daniel. Na época, uma mudança de vocação salvou o município. Mas o tempo avançou e a nova vocação ficou estagnada. É hora de rever de novo a cidade que queremos para o futuro.
Um retrospecto: o ABC Paulista cresceu, em população e em economia, a partir da industrialização promovida pelos presidentes Getúlio Vargas, nos anos 1940, e Juscelino Kubitscheck, no final dos anos 1950. Foi a época da instalação das companhias metalúrgicas na região, com predominância da indústria automotiva. A oferta de emprego, renda e infraestrutura que os gigantescos complexos industriais proporcionaram trouxe crescimento vegetativo para as cidades do ABC, que viram uma explosão populacional consolidar-se nos anos 1970.
Nesse cenário, Santo André sempre teve um papel ambíguo, mas com certa segurança. Não temos nenhuma grande montadora em nosso solo, mas sim muitas indústrias de autopeças que fornecem para as montadoras de São Bernardo e de São Caetano. Em paralelo, Santo André sempre teve a força da indústria química e, em menor grau, das indústrias têxtil e alimentícia. A segurança vinha da versatilidade: quando um setor entrava em crise, outro segurava a barra, oferecendo empregos e receita para o município.
Exceto, claro, no caso de uma crise sistêmica, que atingisse toda a indústria brasileira. E essa crise veio: começou na ditadura militar, provocou um grande êxodo industrial no ABC na virada dos anos 1980 para 1990, aprofundou-se durante o governo FHC e teve uma folga no governo Lula, quando o investimento federal garantiu a instalação de indústrias por aqui. Mas voltou a se pronunciar com o golpe legislativo contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
Nesse meio-tempo a Santo André entendeu que se tornaria mais vibrante e não perderia tanto se alterasse sua vocação. A cidade iminentemente industrial cedeu lugar a um município misto, no qual o comércio, incluindo grandes atacadistas, também teriam papel preponderante. Foi a época da inauguração dos nossos dois mais tradicionais shopping centers.
Mas a porção comercial da vocação econômica de Santo André não pode combater sozinha os problemas da cidade. Nós sempre dependemos muito do emprego industrial, mais qualificado do que o comercial, e também das receitas municipais provenientes da atividade industrial. Não foi por outro motivo que tivemos projetos – como a Cidade Pirelli e o Eixo Tamanduatehy – com o intuito de revigorar a atividade industrial andreense.
Mas esses projetos, que sempre dependeram de um compromisso constante e perene por parte da Prefeitura, foram esquecidos pelos governos do PTB e do PSDB. Em lugar deles, entrou a lógica política mais comezinha e provinciana, a do jogo de trocas políticas, resultando numa cidade cheia de terrenos vazios em áreas industriais (como aquelas à beira do Tamanduateí), de galpões industriais sub judice e com forte especulação imobiliária nos bairros com áreas comerciais e residenciais.
O grande desafio para uma Santo André do futuro reside em desatarmos o nó que impede a instalação de novos negócios no município. E não me refiro apenas a novas indústrias, o que é muito complicado numa época em que uma das maiores montadoras de carros se retirou de São Bernardo. Refiro-me sobretudo a uma indústria nova, aquela de base tecnológica.
Por que não? Temos um dos melhores polos públicos de geração de conhecimento do Brasil, a UFABC, centrada justamente em cursos de engenharia e outros na área de exatas. Continuamos, como sempre fomos, bem localizados, no meio do caminho entre a maior metrópole e o maior porto da América do Sul – e supridos justamente pela linha férrea que alimenta ambos. E dispomos de mão-de-obra para dar e vender em todos os estilos, braçal e intelectual.
A indústria de ponta tecnológica nos oferece inúmeras vantagens. É ambientalmente correta, muito menos poluente do que as plantas aqui instaladas nos anos 1940 e 1950. Está integrada à indústria mundial pelas facilidades da internet e do satélite. Tem demanda segura e constante para o mundo todo. Produz com baixo impacto e alto rendimento, o que enriqueceria não apenas as cidadãs e os cidadãos de Santo André, mas a cidade em si, por meio da tributação.
Um plano de abertura da cidade para as indústrias de ponta, portanto, daria à Prefeitura o gás necessário para enfrentar os desafios dos quais a Santo André moderna parece ter se esquecido. Ainda temos bolsões de miséria em nosso território, e o governo Bolsonaro, com sua política esquizofrênica e ultraneoliberal, só fez agravá-los. Precisamos de investimentos em Saúde para levar unidades de pronto atendimento para a porção sul do município (Vila Luzita, Cidade São Jorge, Jardim do Estádio, represa e redondezas). Ainda não temos atendimento universal em creches e a degradação das leis trabalhistas aumentou a demanda das famílias pela escola pública em período integral – pois, ganhando menos e trabalhando mais, pais e mães têm menos tempo e dinheiro para cuidar de seus filhos e dar-lhes as refeições necessárias.
Temos também desafios urbanísticos urgentes relacionados à nossa malha viária, já insuficiente para absorver uma frota crescente, especialmente de veículos pesados que usam nossa cidade e nossa região de passagem. E nossos bairros têm uma esplêndida estrutura comercial, todos eles dotados de centros que provém a população das necessidades mais urgentes. Mas que, como sempre num sistema neoliberal, ficam ao deus-dará, na linha entre a sobrevivência e a falência, dependendo de investimento público.
Por que uma cidade tão moderna, uma das melhores para se criarem filhos no Brasil, tem tantos problemas arcaicos? Justamente porque as últimas gestões não prestaram atenção na nossa principal demanda socioeconômica, a de ser um município versátil, múltiplo, de economia vibrante. Um município onde o segundo setor, o da transformação do commodity, receba tanto incentivo quanto o terceiro setor, o do comércio, em harmonia com uma política habitacional que fuja da especulação imobiliária. Santo André, o município completo que todas e todos aprendemos a amar.
Eduardo Leite é vereador de segundo mandato, advogado e candidato a reeleição.