Laisy Moriére: Clara Charf, simples assim!
Artigos relacionados
Ainda menina, aos 10 anos, descobriu-se comunista em um breve diálogo com um fotógrafo amigo de seu pai. No diálogo, em torno da prisão, ao ser questionado se era ladrão, o amigo respondera que tinha sido preso por estar lutando para que todos tivessem direito à comida, à casa, ao estudo.Depois de uma nova pergunta para tentar entender do que ele estava falando, Clara concluiu: “Ué, eu também sou comunista! ”
A descoberta foi aí, mas o desejo de lutar foi despertado anos depois, em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando Anita Leocádia, filha de Luís Carlos Prestes e de Olga Benário, assassinada em um campo de concentração na Alemanha, retorna ao Brasil depois de ser resgatada pela a avó. A chegada de Anita, ainda menina, comoveu a população de Recife e despertou, em Clara, o seu lado guerreira. Filha de judeus, a menina cresceu desejosa de liberdade, queria voar, conhecer o mundo. Na busca por liberdade, chegou a ser aeromoça acreditando que ali alcançaria a autonomia sonhada. Foi, porém, na militância política, que pôde compreender que a liberdade desejada extrapolava os limites de sua própria individualidade – implicava em equidade, em condições de igualdade para que homens e mulheres, de todas as classes, credos e raças pudessem ter acesso às mesmas oportunidades, sem distinção.
Nessa busca, que compreendera ser muito mais ampla e complexa do que imaginara, atuou, ainda na década de 1940, junto à bancada de deputados do PCB, partido em que também militava, conheceu e casou-se com o então deputado Carlos Marighella, que após ter o mandato cassado pela ditadura, foi tratado como o inimigo número 1 dos militares e brutalmente assassinado pelo regime militar.
Com o assassinato de seu companheiro, de luta e de vida, e a perseguição do regime militar, Clara, que também foi Marta, foi Cláudia, foi Nice, e que também já havia sido presa, viu-se obrigada a buscar exílio em Cuba, onde viveu por 10 anos até retornar ao Brasil, em 1979, quando veio a anistia.
No retorno, filiou-se ao PT e, a convite das mulheres do Partido, saiu candidata a deputada por São Paulo. O convite à Clara tinha uma forte razão de ser. Clara era a companheira de Marighella, mas tinha iniciado sua militância antes de conhecê-lo. Clara tinha sua própria história. Carregava consigo a profunda inquietação de quem busca a liberdade, a liberdade no sentido mais amplo, mais profundo, aquela que abarca todos os seres, homens e mulheres, aquela que se traduz no direito de todos e todas terem acesso à casa, à comida, à educação, à saúde, à cultura; que implica em respeito às diferenças, em autonomia; aquela que compreende a complexidade da vida em sociedade, do exercício da democracia, da paz.
Clara tinha sua própria história como mulher, como militante, como feminista. Não se elegeu, embora tenha conquistado quase 20 mil votos, mas seguiu seu caminho na militância em defesa dos direitos da mulher, dos direitos humanos. Criou e preside a Associação Mulheres pela Paz que, dentre outras coisas, combate a violência doméstica. Clara é orgulhosamente a viúva de Carlos Marighella, porque, como o definiu Jorge Amado, colega de bancada quando deputado, aquele grande líder revolucionário, era “Ternura e Ira”. Mas, Clara, sempre foi, antes de qualquer coisa, Clara Charf, simples assim! Uma menina, uma jovem, uma mulher desejosa de liberdade – da verdadeira liberdade que só se alcança quando todas e todas podem compartilhar dos mesmos direitos e deveres.
Parabéns Clara Charf, pela força, pela determinação, pela vibração, pelo riso forte, pelos exemplos, pelos 90 anos de vida entregues à luta pela construção de uma sociedade onde liberdade, justiça social, igualdade e democracia são sinônimo de paz!
Assista aqui o vídeo com depoimento de Clara Charf
Laisy Moriére é secretária Nacional de Mulheres do PT