Michel Zaidan: Manicômio judiciário
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A expressão “manicômio judiciário” foi usado pelo ministro Gilmar Mendes para atacar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), quando ela era ainda Advogado Geral da União, durante o governo de Fernando Henrique Cardozo. Salvo engano, essa designação pejorativa foi provocado por uma decisão do STF contra o governo, pela decisão tomado pelo ministro Paulo Renato de suspender o pagamento dos professores universitários em greve. Para não ser intimado, o ministro se escondeu. Mas Gilmar Mendes se saiu com essa ofensa ao Poder Judiciário Brasileiro, chamando a suprema corte de casa de loucos. Quando ele foi nomeado pelo seu chefe ministro da Casa, os membros do STF foram recebe-los na porta do tribunal e disseram: “Bem-vindo, Excia. Ao manicômio judiciário!”.
Essas e outras críticas ao Poder Judiciário nacional têm a ver com o que o ilustre magistrado Roberto Wanderley denominou de “justiça acidental”, ou seja a falta de um critério racional e previsível para o julgamento das ações pelos magistrados. Na tese, que se transformou em livro lançado no auditório do TRF, no Cais do Apolo, o autor elenca inúmeros exemplos de decisões desencontradas, arbitrárias e imprevisíveis e as compara com o critério de um Ppís escandinavo que prevê “uma lei para os juízes”, que não é a” sumula vinculante” brasileira. Argumenta Wanderley que a discricionariedade dos juízes monocráticos sobre a lide produz um ambiente de insegurança jurídica para os cidadãos e cidadãs, fazendo da Justiça uma espécie de loteria esportiva, em que se aposta que tipo de decisão judicial será prolatada, dependendo do juiz, da vara, da jurisprudência, do clamor das ruas, da pressão da mídia etc.
Infelizmente o fulcro da crítica do ministro Gilmar Mendes não é esse. Este magistrado se especializou em representar os interesses de FHC e do PSDB no Supremo Tribunal Federal. É como se ele praticasse uma espécie de “advocacia administrativa” no interior do STF em função de determinados interesses. Só isso explica a atitude desabusada, tomada por ele, no julgamento da ADIN impetrada pela OAB sobre o financiamento privado das campanhas eleitorais. Depois de prender a ação por muitos meses, interrompendo a apreciação de sua constitucionalidade ou não, Gilmar Mendes, insatisfeito com a sua derrota de 8X3, levantou-se raivosamente e retirou-se do plenário, antes de concluída a sessão. Advogando na suprema corte o interesse de grandes legendas e lideranças políticas emergentes de oposição ao governo Dilma, ele não só fêz tudo para atrapalhar a tramitação da ADIN, mas – uma vez derrotado – vociferou contra o governo petista, chamando-o de sindicato de ladrões.
Na minha humilde opinião de professor da Pós-graduação de Direito, da UFPE, acho que ele passou dos limites. Que ele se filie aos políticos da oposição e tenha seus pontos-de-vista doutrinários e jurídicos. É justo. Mas não se conformar com a derrota fragorosa, quando teve por mais de 4 horas para defender a sua tese, e sair atirando contra o governo, chamando-o disso ou daquilo, aí já é demais. Perdeu a compostura e o equilíbrio de um magistrado da Suprema Corte. Tornou-se um advogado privado que não se conforma com a derrota de seu pleito, de sua tese, de sua reclamação.
Quando se afirma que o STF é um tribunal político e que os julgamentos são políticos, a despeito de sua fundamentação jurídica, entendemos que – em determinadas questões – é difícil separar o jurídico do político, mormente em temas de direito público (administrativo, constitucional, tributário etc.). Mas transformar abertamente a corte numa tribuna em defesa de interesses partidários ou corporativos, ligados a esta ou aquela facção, já é demais. Perde assim o STF a aura de instância recursal – em último grau – das contendas e divergências da sociedade brasileira. A não ser que seja essa a intenção do ministro e seus representados. Aí, todos perdemos.
Michel Zaidan é cientista político da Universidade Federal de Pernambuco